A matemática das eleições
Se numa eleição para 5 vagas para Deputado Federal ou VEREADOR tivéssemos a seguinte situação, apurados os votos válidos:
Arquimedes | 379.619 |
Galois | 379.571 |
Moivre | 379.350 |
Gauss | 310.037 |
Euler | 204.522 |
Jacobi | 104.501 |
Euclides | 19.031 |
Tales | 1.500 |
Pascal | 830 |
Quem você diria que seriam os cinco eleitos? Se sua resposta foi os cinco mais votados: Arquimedes, Galois, Moivre, Gauss e Euler você errou!
Um dos principais motivos das pessoas errarem a resposta da pergunta anterior é que se esquecem (ou, talvez não saibam) de considerar que o voto é do partido e não do candidato. O que importa - mesmo - é a votação que o conjunto dos candidatos de um partido consegue e não o número de votos individuais de um candidato isolado. É por isso que entra o chamado Quociente Eleitoral ou Coeficiente Eleitoral, um importantíssimo parâmetro responsável por interferir num eleição, no caso, para o Poder Legislativo.
A seguir vou explicar, em parte, como funciona uma eleição para o Poder Legislativo.
Para uma democracia real, não basta exercer o poder da cidadania escolhendo alguém que nos represente - é preciso fazer-se representar que é mais do que só escolher - é escolher e acompanhar.
E para se fazer representar é necessário o devido acompanhamento dos atos políticos e administrativos de nossos governantes. O acompanhamento pode ser num primeiro momento sondar todas as etapas de uma votação e exigir transparência das estruturas de uma eleição.
No caso brasileiro existe numa das etapas legais das votações para Senadores, Deputados Federais, Estaduais, Distritais (Brasília) e Vereadores algo mais difícil de entender para a pessoa comum. Esta parte obscura das votações se deve aos quesitos matemáticos do processo de eleição onde se deve considerar o QUOCIENTE ELEITORAL para se saber quantos candidatos um partido poderá levar para o Congresso, Câmara ou Assembléias Legislativas.
Bom, obscuro não quer dizer errado. É que vai contra o senso comum e natural das pessoas que os ganhadores de uma eleição devem ser, na sua categoria, os mais votados em ordem decrescente. De fato é assim para as eleições do Poder Executivo (Presidente, Governador e Prefeito), mas não é desse modo para o Poder Legislativo. Neste último caso haverá o quociente / coeficiente eleitoral para definir um parâmetro eleitoral fundamental.
Vamos ver como funciona este tal de quociente / coeficiente eleitoral estabelecendo como exemplo uma eleição para Deputado Federal para eleger representantes de um estado fictício denominado "Penta", que tem 5 Deputados.
Deputado Federal
Apesar de ser "Federal" cada estado escolhe os seus deputados, em número pré-definido.
Os eleitores de um estado só podem votar nos candidatos locais.
Assim um eleitor de Minas Gerais só pode votar aos candidatos registrados para Deputado (Federal e Estadual) de Minas Gerais e não, por exemplo, para candidatos a Deputado (Federal e Estadual) de Goiás.
O único tipo de voto para cargo eletivo que tem validade nacional é para Presidente da República. Para Deputado, Senador e Vereador, eleitores registrados num local X só podem votar em candidatos registrados no local X.
Enfim, continuando, suponha que todos os votos na eleição já tenham sido computados. Além disso, considere num exemplo fictício que:
1) Votos válidos no estado chamado de Penta: 2.000.001
2) Vagas pré-determinadas para Deputado Federal a serem ocupadas por candidatos do estado Penta: 5.
Quociente Eleitoral - Texto adaptado, para explicação, do art. 106 do Código Eleitoral
É a parte inteira da divisão entre o número de votos válidos* pelo total de cadeiras em pleito. Despreza-se a fração, se igual ou inferior a 0,5, arredondando-a para 1 se superior.
(*) votos válidos, ver LEI Nº 9.604 de 1997 - do total de votos efetivados numa eleição, descontam-se os votos em branco e os votos nulos para contar o total de votos válidos.
Exemplo 1
Obter o Quociente Eleitoral para Deputado Federal no Estado Penta
Lembrando que estamos usando no exemplo.
1) Votos válidos no Penta: 2.000.001
2) Vagas pré-determinadas para Deputado Federal a serem ocupadas por candidatos de Penta: 5.
Dividimos 2.000.001 por 5 cujo resultado é 400.000,2.
A parte inteira de 400.000,2 é 400.000.
O Quociente Eleitoral para Deputado Federal no Penta é 400.000.
A partir deste quociente / coeficiente eleitoral 400.000 é que vão ser distribuídas entre os Partidos Políticos as 5 vagas de Deputado Federal do exemplo do Estado Penta.
Repare que as vagas são dadas aos Partidos Políticos. Sim, cada partido político (que tem pelo menos um inscrito no respectivo pleito) terá direito a um determinado número de vagas. A vaga primeiramente vai para o partido. Os mais votados de cada partido/coligação, dai sim, em ordem decrescente serão eleitos para o cargo.
Digamos que em nossas eleições sejam disputadas por 5 partidos, sendo que há uma Coligação Partidária envolvendo 3 dos partidos (PC + PE + PP). Assim, teremos 2 partidos e uma coligação de outros 3 partidos. Destaquei os candidatos mais votados em cada partido/coligação:
Coligação Partidária
Coligação Partidária é a união de dois ou mais partidos com vistas à apresentação conjunta de candidatos a uma determinada eleição.
Resultados obtidos na eleição:
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Quociente Partidário - Texto adaptado, para explicação, do art. 107 do Código Eleitoral
É a parte inteira da divisão entre o número de votos válidos* pelo quociente eleitoral (art. 107 do Código Eleitoral). Despreza-se a fração, qualquer que seja.
(*) votos válidos, ver LEI Nº 9.604 de 1997 - do total de votos efetivados numa eleição, descontam-se os votos em branco e os votos nulos para contar o total de votos válidos.
Primeiro vamos calcular, usando o quociente / coeficiente eleitoral 400.000 relativo ao Estado Penta, quantas vagas serão atribuidas a estes 3 partidos/coligações. Considera-se para isso o TOTAL de votos que cada partido conquistou nas eleições, ou seja:
Legenda Partidária |
Votos (A) |
Cálculo (B) |
Resultado (C) |
Partido Heptagonal |
744.900
|
744.900 / 400.000 |
1,86 |
Partido Vetorial |
399.150 |
399.150 / 400.000 |
0,99 |
Coligação Cônicas |
855.951 |
855.951 / 400.000 |
2,13 |
A partir da parte inteira de cada resultado são distribuídas as primeiras vagas.
Legenda Partidária |
Votos (A) |
Cálculo (B) |
Resultado (C) |
Quociente Partidário (D) |
Partido Heptagonal |
744.900
|
744.900 / 400.000 |
1,86 |
1 |
Partido Vetorial |
399.150 |
399.150 / 400.000 |
0,99 |
0 |
Coligação Cônicas |
855.951 |
855.951 / 400.000 |
2,13 |
2 |
Resulado Parcial:
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Como, com o resultado parcial, só 3 das 5 vagas foram preenchidas, restaram 2 vagas.
Vagas Remanescentes
O partido que não alcançou o quociente eleitoral, não concorre à distribuição de lugares (art. 109, § 2º, do Código Eleitoral).
Assim, o Partido Vetorial está fora da eleição e não ganhou nenhuma vaga apesar de ter tido o candidato Arquimedes com a maior votação dentre todos os concorrentes.
Continuando.
Repetindo-se o procedimento a seguir, para cada vaga que restar, devemos compor para cálculos:
1) Operação: dividir a votação de cada partido pelo nº de lugares por ele obtidos + 1 (art. 109, nº I do Código Eleitoral). Ao partido que alcançar a maior média, atribui-se a 1ª sobra.
Legenda Partidária |
Votos (A) |
Cálculo (B) |
Resultado (C) |
Quociente Partidário(D) |
Quociente Partidário + 1 (E) |
Cálculo (C / E) |
Resultado |
Partido Heptagonal |
744.900
|
744.900 / 400.000 |
1,86 |
1 |
2 |
1,86 / 2 |
0,93 |
Partido Vetorial |
|||||||
Coligação Cônicas |
855.951 |
855.951 / 400.000 |
2,13 |
2 |
3 |
2,13 / 3 |
0,71 |
Assim, o Partido Heptagonal ganhou mais uma vaga.
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|
|
Como resta uma vaga ainda, recalculamos para ver quem pode recebê-la.
2 ) Operação: se houver outra sobra, repete-se a divisão. Agora, por exemplo, como o Partido Heptagonal ganhou mais uma vaga, beneficiado com a 1ª sobra, já conta com 2 lugares, aumentando o divisor para 3 (2+1) (art. 109, nº II, do Código Eleitoral).
Legenda Partidária |
Votos (A) |
Cálculo (B) |
Resultado (C) |
Quociente Partidário(D) |
Quociente Partidário + 1 (E) |
Cálculo (C / E) |
Resultado |
Partido Heptagonal |
744.900
|
744.900 / 400.000 |
1,86 |
2* |
3 |
1,86 / 3 |
0,62 |
Partido Vetorial |
|||||||
Coligação Cônicas |
855.951 |
855.951 / 400.000 |
2,13 |
2 |
3 |
2,13 / 3 |
0,71 |
Portanto, a Coligação Cônicas ganhou mais uma vaga. Consolida-se:
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Repare fatos curiosos (mas possíveis de ocorrerem na prática) sobre o nosso sistema eleitoral:
I) que apesar de Arquimedes ter muito mais votos que TODOS, não conquistou sua vaga. Demonstrou-se, matematicamente aqui, que o número isolado de votos não garante eleição de um candidato - ele também depende dos resultados do partido por conta do quociente / coeficiente eleitoral.
II) Pascal foi eleito com um número muito baixo de 830 votos! Simplesmente devido ao fato da Coligação Cônicas ter direito a 3 vagas pela sua grande votação em conjunto dos seus outros candidatos. Ele, sendo o terceiro mais votado do seu partido, tem direito à vaga. Demonstrou-se, matematicamente aqui, que o número baixo de votos não significa necessariamente a exclusão da eleição de um candidato - ele também depende dos resultados do seu partido e dos resultados dos demais partidos.
III) Repare que o Partido da Elipse (PE), da Coligação Cônicas, não elegeu ninguém, mas alavancou a eleição de 2 (dois) candidatos do Partido da Circunferência e 1 (um) candidato do Partido da Parábola. Foi como se fosse uma "escada" eleitoral nesta aliança e só fortaleceram outros partidos.
IV) O Partido Vetorial, talvez se fizesse uma aliança com outro partido, poderia atingir o quociente / coeficiente eleitoral e eleger um ou dois candidatos. Se fosse feita uma aliança com o Partido da Elipse, Arquimedes certamente seria eleito na hipótese dos eleitores manterem a votação na legenda PE.
Assim, devido ao quociente / coeficiente eleitoral a eleição ficou assim:
Arquimedes | 379.619 |
Galois (eleito pelo quociente partidário) | 379.571 |
Moivre (eleito pelo quociente partidário) | 379.350 |
Gauss (eleito pelo quociente partidário) | 310.037 |
Euler (eleito pelas vagas remanescentes) | 204.522 |
Jacobi | 104.501 |
Euclides | 19.031 |
Tales | 1.500 |
Pascal (eleito pelas vagas remanescentes) | 830 |
Exemplo: Divisão de 17 cadeiras num Estado onde votaram 50.037 eleitores.
1ª operação: Determinar o nº de votos válidos, deduzindo do comparecimento os votos nulos e os em branco (art. 106, § único do Código Eleitoral e art. 5º da Lei nº 9504 de 30/09/97). |
||||||
Comparecimento 50.037 | - | Votos em branco 883 |
- | Votos nulos 2.832 |
= | Votos válidos 46.322 |
2ª operação: Determinar o quociente eleitoral, dividindo-se os votos válidos pelos lugares a preencher (art. 106 do Código Eleitoral). Despreza-se a fração, se igual ou inferior a 0,5, arredondando-a para 1 se superior. |
||||||
Votos válidos 46.322 |
÷ | nº de cadeiras 17 |
= | 2.724,8 | = | Quoc. eleitoral 2.725 |
3ª operação: Determinar os quocientes partidários, dividindo-se a votação de cada partido (votos nominais + legenda) pelo quociente eleitoral (art. 107 do Código Eleitoral). Despreza-se a fração, qualquer que seja. |
|||
Partidos |
Votação | Quociente Eleitoral |
Quociente Partidário |
A | 15.992 | ÷ 2.725 = 5,8 | = 5 |
B | 12.811 | ÷ 2.725 = 4,7 | = 4 |
C | 7.025 | ÷ 2.725 = 2,5 | = 2 |
D | 6.144 | ÷ 2.725 = 2,2 | = 2 |
E | 2.237 | ÷ 2.725 = 0,8 | = 0 * |
F | 2.113 | ÷ 2.725 = 0,7 | = 0 * |
Total = 13 (sobram 4 vagas a distribuir) |
|||
* Os partidos E e F, que não alcançaram o quociente eleitoral, não concorrem à distribuição de lugares (art. 109, § 2º, do Código Eleitoral). |
4ª operação: Distribuição das sobras de lugares não preenchidos pelo quociente partidário. Dividir a votação de cada partido pelo nº de lugares por ele obtidos + 1 ( art. 109, nº I do Código Eleitoral). Ao partido que alcançar a maior média, atribui-se a 1ª sobra. |
||||
Partidos A B C D |
Votação 15.992 12.811 7.025 6.144 |
Lugares +1 ÷ ÷ 6 (5+1) ÷ 5 (4+1) ÷ 3 (2+1) ÷ 3 (2+1) |
Médias 2.665,3 2.562,2 2.341,6 2.048,0
|
(maior média 1ª sobra) |
5ª operação: Como há outra sobra, repete-se a divisão. Agora, o partido A, beneficiado com a 1ª sobra, já conta com 6 lugares, aumentando o divisor para 7 (6+1) (art. 109, nº II, do Código Eleitoral). |
||||
Partidos A B C D |
Votação 15.992 12.811 7.025 6.144 |
Lugares +1 ÷ 7 (6+1) ÷ 5 (4+1) ÷ 3 (2+1) ÷ 3 (2+1) |
Médias = 2.284,5 = 2.562,2 = 2.341,6 = 2.048,0 |
(maior média 2ª sobra)
|
6ª operação: Como há outra sobra, repete-se a divisão. Agora, o partido B, beneficiado com a 2ª sobra, já conta com 5 lugares, aumentando o divisor para 6 (5+1) (art. 109, nº II, do Código Eleitoral). |
||||
Partidos A B C D |
Votação 15.992 12.811 7.025 6.144 |
Lugares +1 ÷ 7 (6+1) ÷ 6 (5+1) ÷ 3 (2+1) ÷ 3 (2+1) |
Médias = 2.284,5 = 2.135,1 = 2.341,6 = 2.048,0 |
(maior média 3ª sobra)
|
7ª operação: Como há outra sobra, repete-se a divisão. Agora, o partido C, beneficiado com a 3ª sobra, já conta com 3 lugares, aumentando o divisor para 4 (3+1) (art. 109, nº II, do Código Eleitoral). |
||||
Partidos A B C D |
Votação 15.992 12.811 7.025 6.144 |
Lugares +1 ÷ 7 (6+1) ÷ 6 (5+1) ÷ 4 (3+1) ÷ 3 (2+1) |
Médias = 2.284,5 = 2.135,1 = 1.756,2 = 2.048,0 |
(maior média 4ª sobra) |
OBS: No exemplo acima, a 7ª operação eliminou a última sobra. Nos casos em que o número de sobras persistir, prosseguem-se os cálculos até que todas as vagas sejam distribuídas.
PARTIDOS |
NÚMERO DE CADEIRAS OBTIDAS |
||
pelo quociente partidário |
pelas sobras |
total |
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A |
5 |
2 |
7 |
B |
4 |
1 |
5 |
C |
2 |
1 |
3 |
D |
2 |
0 |
2 |
E |
0 |
0 |
0 |
TOTAL |
13 |
4 |
17 |